Havia um velho, dos muito velhos, retintos, velho de ser
mais velho que os velhos, velho de já não se contar a idade nem as rugas, velho
de ser um mistério a idade do velho, que cagava numa tábua curva, furada no
centro, com vista para a palha, no fundo do quintal, com o cheiro a
bestialidade e visões de galinhas e patos. O velho por ser tão velho cagava
mole e fazia muita força e pouco mijava e no fim só se ouvia o embater da
trampa na palha, um som mole na moleza da cagadela do velho retinto. E o velho cantarolava
enquanto se limpava ao papel higiénico, único indício de quão velho era que a
novidade e toque acetinado do papel já lhe aprazia mas a porcelana de uma
sanita lhe fazia confusão e cagava ainda na cagadeira antiga de madeira antiga
e de chapa de zinco e de porta com trinco metálico e cheiro a pocilga do fundo
da casa onde sempre vivera e nunca saíra. Era um velho muito melancólico,
depois de cagar acendia o cachimbo e ficava a embalar o intestino vazio na
cadeira de baloiço antiga que tinha as marcas do tempo nos apoios de braços e a
almofada cerzida pela mulher, para sempre companheira na morte e na vida,
mulher de sempre muito velha mas já falecida. Vivia o velho retinto na casa
sozinha com o cão de companhia, cão velho e muito molenga, com patas patudas e
nariz aguçado e cauda pendida e ausência de dentes e pelo grisalho e arfar na
passada e gases abundes que se soltavam no ar e faziam o velho suspirar, com
saudades dos peidos da mulher cerzideira, amante matreira que no tempo de
solteira se enamorou pelo já velho homem distinto que retinto agora era
possante e elegante numa mistura de bravura que a conjetura nunca fizera
suspeitar que sozinho viesse acabar tamanha a distancia da idade madura do
velho retinto e da jovem solteira que se queria enamorada de um velho caduco,
mas muito astuto que fazia do canto o seu ultimo reduto. E sempre depois de
cagar na sombra da eira se sentava na cadeira que o embalava na verborreia de
cantar de maneira que as moças se enamoravam e as velhas o invejavam e todos os
que o rodeavam gracejavam — aqui descansa o velho cagão que canta depois de um
relhoto o melhor refrão da canção que
encanta o coração das gentes.
E o velho cantava da guerra, do tempo remoto de novo de como
veio primeiro que o ovo e como cantava o ignoto velho, conhecido só dos
vizinhos porque nunca levara a sério os trinados e nunca se dedicara ás
cantorias em romarias e nunca se quis com honrarias, só queria ser velho e
cantar depois de cagar até adormecer no embalar, embalar que pensava o havia de
levar á mulher que nunca deixou de amar. Mas não era só cagar e cantar, não era
só dormitar no embalar, não era só saudoso o amoroso mas era também estimoso do
cão já velhote e carcomido, cão que lhe fazia companhia todo o dia, cão que lhe
dava alegria e depois de cagar e cantar de embalar e de dormitar, todos os dias
à hora tardia o velho com muita alegria alimentava o cão que gania, gania de
tanta euforia de saber que comer ele iria e que depois se deitaria na cama do
velho retinto dormindo pra dentro da noite fazendo-lhe a tal companhia que
muito importante não seria se a velha solteira anafada ainda fosse viva e
rosada e fizesse na cama comunhão com o velho retinto bonacheirão. E o velho
deitava-se e a cama rangia de velha que era muitas vezes cedia e o velho
adormecia com a tripa vazia e dormia na companhia do velho cão que se calava e
dormia! E dormia noite fora na cama sombria e acordava madrugada cedo para
fazer o que sempre fizera, alimentar os patos e as galinhas, comprar o pão na
padaria, comer o pequeno almoço na cozinha e ler na mercearia o jornal que
tanto o entedia com noticias do que nunca veria, novidades sem muita fantasia e
a página da necrologia onde contava mais que seus dedos amigos que passaram a
margem e que no perecer o deixam mais sozinho, mais velho e mais solitário,
mais triste e mais melancólico. E ao almoço na vizinha comia, por vezes tripas
por vezes feijoada umas vezes bacalhau outras vezes entremeada, mas sempre com
muita calma, pois a refeição sempre seria sagrada e sempre dava as graças por
comer e ter companhia para o entreter porque depois de a mulher falecer foi a
vizinha que se foi oferecer para sempre lhe fazer o comer para o almoço e a
marmita para levar para ter o que comer ao jantar e ter sempre um belo manjar
para na hora que mais gosta do dia poder cagar e cantar e adormecer no sozinho
embalar da cadeira que o viria a amparar no dia que o estertor viesse a dar e
pudesse ir ter com a mulher e no paraíso a acompanhar. Porque era um velho
educado agradecia sempre e deixava recado ao vizinho que sempre ocupado estava
ausente na hora de almoço, era um velho muito estimado e escutado e aprumado
que todos os dias depois de comer se deitava a digerir o porvir. E da sesta
acordava refeito e ia ao café comentar com os outros velhos, menos retintos,
menos distintos, menos famintos, mais queixosos, mais desdenhosos, mais
horrorosos e como o invejavam os velhos do canto que alegre cantava sem
preocupações sem raiva e sem tempo que sempre depois da cagadela soltava para o
mundo lá fora e que indicava aos vizinhos a hora do fim da jorna diária pois
cedo era a hora que se deitava e sempre mantida a rotina servia de lição de
vida pros velhos que queriam ser mais velhos que o velho, mas que suspeitavam
que acabariam na folha da necrologia antes do velho Faria que vivia na harmonia
de ter só o que tinha sem querer mais do que lhe era devido e aproveitando o
tempo que havia para dar repouso á barriga para a digestão da comida fria que
comia antes da hora tardia onde refeito da força diária de cagar o que havia
comido se sentava na cadeira de embalar para repetir sem desgosto o habito ímpar
de cantar depois de cagar, mesmo antes de dormitar antes de se ir deitar com o
cão alimentado em sinfonia com ganidos de tanta alegria por saber que na hora
tardia dormia com o velho retinto e acordava para mais um dia de ser cão velho
de um velho muito velho. E assim viveu o resto do tempo, o velho que sempre foi
moço, por dentro onde vale ser moço e não resistir á tormenta de não se passar
dos noventa por ter problemas do intestino e não se cagar em harmonia e viver
com a diarreia fina e com outros problemas do foro intestinal digo-o sem
decoro, pois é o mais importante para uma vida em pleno comer e cagar como um
jovem e viver sem arrependimentos, cantando para afastar os lamentos e seguindo
uma rotina regrada onde o mais que faz mal á pança é a saudade da bem
aventurada mulher amada!
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