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sábado, 27 de agosto de 2016

O velho Faria

Havia um velho, dos muito velhos, retintos, velho de ser mais velho que os velhos, velho de já não se contar a idade nem as rugas, velho de ser um mistério a idade do velho, que cagava numa tábua curva, furada no centro, com vista para a palha, no fundo do quintal, com o cheiro a bestialidade e visões de galinhas e patos. O velho por ser tão velho cagava mole e fazia muita força e pouco mijava e no fim só se ouvia o embater da trampa na palha, um som mole na moleza da cagadela do velho retinto. E o velho cantarolava enquanto se limpava ao papel higiénico, único indício de quão velho era que a novidade e toque acetinado do papel já lhe aprazia mas a porcelana de uma sanita lhe fazia confusão e cagava ainda na cagadeira antiga de madeira antiga e de chapa de zinco e de porta com trinco metálico e cheiro a pocilga do fundo da casa onde sempre vivera e nunca saíra. Era um velho muito melancólico, depois de cagar acendia o cachimbo e ficava a embalar o intestino vazio na cadeira de baloiço antiga que tinha as marcas do tempo nos apoios de braços e a almofada cerzida pela mulher, para sempre companheira na morte e na vida, mulher de sempre muito velha mas já falecida. Vivia o velho retinto na casa sozinha com o cão de companhia, cão velho e muito molenga, com patas patudas e nariz aguçado e cauda pendida e ausência de dentes e pelo grisalho e arfar na passada e gases abundes que se soltavam no ar e faziam o velho suspirar, com saudades dos peidos da mulher cerzideira, amante matreira que no tempo de solteira se enamorou pelo já velho homem distinto que retinto agora era possante e elegante numa mistura de bravura que a conjetura nunca fizera suspeitar que sozinho viesse acabar tamanha a distancia da idade madura do velho retinto e da jovem solteira que se queria enamorada de um velho caduco, mas muito astuto que fazia do canto o seu ultimo reduto. E sempre depois de cagar na sombra da eira se sentava na cadeira que o embalava na verborreia de cantar de maneira que as moças se enamoravam e as velhas o invejavam e todos os que o rodeavam gracejavam — aqui descansa o velho cagão que canta depois de um relhoto o melhor refrão da canção  que encanta o coração das gentes.

E o velho cantava da guerra, do tempo remoto de novo de como veio primeiro que o ovo e como cantava o ignoto velho, conhecido só dos vizinhos porque nunca levara a sério os trinados e nunca se dedicara ás cantorias em romarias e nunca se quis com honrarias, só queria ser velho e cantar depois de cagar até adormecer no embalar, embalar que pensava o havia de levar á mulher que nunca deixou de amar. Mas não era só cagar e cantar, não era só dormitar no embalar, não era só saudoso o amoroso mas era também estimoso do cão já velhote e carcomido, cão que lhe fazia companhia todo o dia, cão que lhe dava alegria e depois de cagar e cantar de embalar e de dormitar, todos os dias à hora tardia o velho com muita alegria alimentava o cão que gania, gania de tanta euforia de saber que comer ele iria e que depois se deitaria na cama do velho retinto dormindo pra dentro da noite fazendo-lhe a tal companhia que muito importante não seria se a velha solteira anafada ainda fosse viva e rosada e fizesse na cama comunhão com o velho retinto bonacheirão. E o velho deitava-se e a cama rangia de velha que era muitas vezes cedia e o velho adormecia com a tripa vazia e dormia na companhia do velho cão que se calava e dormia! E dormia noite fora na cama sombria e acordava madrugada cedo para fazer o que sempre fizera, alimentar os patos e as galinhas, comprar o pão na padaria, comer o pequeno almoço na cozinha e ler na mercearia o jornal que tanto o entedia com noticias do que nunca veria, novidades sem muita fantasia e a página da necrologia onde contava mais que seus dedos amigos que passaram a margem e que no perecer o deixam mais sozinho, mais velho e mais solitário, mais triste e mais melancólico. E ao almoço na vizinha comia, por vezes tripas por vezes feijoada umas vezes bacalhau outras vezes entremeada, mas sempre com muita calma, pois a refeição sempre seria sagrada e sempre dava as graças por comer e ter companhia para o entreter porque depois de a mulher falecer foi a vizinha que se foi oferecer para sempre lhe fazer o comer para o almoço e a marmita para levar para ter o que comer ao jantar e ter sempre um belo manjar para na hora que mais gosta do dia poder cagar e cantar e adormecer no sozinho embalar da cadeira que o viria a amparar no dia que o estertor viesse a dar e pudesse ir ter com a mulher e no paraíso a acompanhar. Porque era um velho educado agradecia sempre e deixava recado ao vizinho que sempre ocupado estava ausente na hora de almoço, era um velho muito estimado e escutado e aprumado que todos os dias depois de comer se deitava a digerir o porvir. E da sesta acordava refeito e ia ao café comentar com os outros velhos, menos retintos, menos distintos, menos famintos, mais queixosos, mais desdenhosos, mais horrorosos e como o invejavam os velhos do canto que alegre cantava sem preocupações sem raiva e sem tempo que sempre depois da cagadela soltava para o mundo lá fora e que indicava aos vizinhos a hora do fim da jorna diária pois cedo era a hora que se deitava e sempre mantida a rotina servia de lição de vida pros velhos que queriam ser mais velhos que o velho, mas que suspeitavam que acabariam na folha da necrologia antes do velho Faria que vivia na harmonia de ter só o que tinha sem querer mais do que lhe era devido e aproveitando o tempo que havia para dar repouso á barriga para a digestão da comida fria que comia antes da hora tardia onde refeito da força diária de cagar o que havia comido se sentava na cadeira de embalar para repetir sem desgosto o habito ímpar de cantar depois de cagar, mesmo antes de dormitar antes de se ir deitar com o cão alimentado em sinfonia com ganidos de tanta alegria por saber que na hora tardia dormia com o velho retinto e acordava para mais um dia de ser cão velho de um velho muito velho. E assim viveu o resto do tempo, o velho que sempre foi moço, por dentro onde vale ser moço e não resistir á tormenta de não se passar dos noventa por ter problemas do intestino e não se cagar em harmonia e viver com a diarreia fina e com outros problemas do foro intestinal digo-o sem decoro, pois é o mais importante para uma vida em pleno comer e cagar como um jovem e viver sem arrependimentos, cantando para afastar os lamentos e seguindo uma rotina regrada onde o mais que faz mal á pança é a saudade da bem aventurada mulher amada!

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